"O dia tinha sido bem empregado quando, subitamente, senti fome. Até
aquele momento nada havia comido ou bebido. Os pães que eu havia
atado em um lenço à cintura eram uma preciosidade cujo valor
eu bem podia avaliar naquele instante. Desamarrei-os e estava para quebrar
o primeiro bocado, quando senti soar nos meus ouvidos o som de uma sineta
e algo que me parecia o lamento de uma flauta. Nada me pareceria mais assustador
no seio daquela desolação rochosa.
Subitamente vi surgir, sobre uma rocha à minha direita, uma grande
cabra negra com um cincerro ao pescoço. Antes que pudesse tomar
folego, vi-me cercado por cabras que me envolviam, pisando nas rochas e
produzindo assim um ruído muito mais horrível do que os meus
próprios pés faziam. Como se tivessem sido convidadas, as
cabras atiraram-se aos meus pães e os teriam arrancado de minhas
mãos se não tivessem ouvido a voz do pastor que, não
sei como nem quando, surgiu a meu lado. Era um jovem de agradável
aparência alto, forte e cheio de alegria. Só tinha por vestimenta
uma pele que lhe cingia os rins, e a flauta, na sua mão direita,
era sua única arma.
"Esta minha cabra-guia" - disse ele suavemente e a sorrir - "é muito
amimada. Dou-lhe pão, sempre que o tenho. Faz, porém, muitas
e muitas luas que não passa por aqui nenhuma criatura que traga
pão consigo".
A seguir, dirigiu-se à cabra: "Vês como a Fortuna tudo provê,
minha guia fiel? Nunca descreias da Fortuna".
E logo, abaixando-se, apanhou um pão. Julgando que ele estivesse
com fome, disse-lhe amável e sinceramente:
"Podemos partilhar esta frugal refeição. Há pão
suficiente para nós ambos... e para a cabra-guia".
Fiquei, porém, quase paralizado de assombro a vê-lo atirar
às cabras o primeiro pão, o segundo e o terceiro... todos,
até o sétimo, tirando, de cada um, um bocado para si. O choque
que recebi foi de tal ordem que a ira começou a ferver-me no coração.
No entanto, compreendendo a minha incapacidade, consegui aquietar um pouco
a cólera e, com uma expressão de espanto, voltei-me para
o pastor de cabras dizendo, como quem ao mesmo tempo suplica e censura:
"Agora que acabaste de dar às tuas cabras o pão de um homem
faminto não lhe vais dar um pouco de leite?"
"O leite de minhas cabras é veneno para os tolos e não quero
que nenhuma delas seja culpada da morte de alguém, nem mesmo de
um tolo".
"Mas por que sou tolo?"
"Porque trazes sete pães para uma viagem que dura sete vidas."
"Deveria então ter trazido sete mil?"
"Nem um só."
"O que aconselhas, então, é encetar essa longa viagem inteiramente
sem provisões?"
"O caminho que não oferece provisões ao vianjante não
merece a confiança deste."
"Desejarias então que eu comesse pedras e bebesse o meu suor?"
"A tua própria carne te bastará como pão, e o teu
próprio sangue te bastará como água. É esta
a solução."
"Levas muito longe o teu escárneo. Não posso, porém,
retribuí-lo. Aquele que come do meu pão torna-se meu irmão,
ainda que me deixe faminto. O dia está fugindo por trás da
montanha e preciso recomeçar a minha marcha. Queres informar-me
se ainda estou muito longe do cume?"
"Estás muito perto do Esquecimento."
E assim dizendo, colocou a flauta nos lábios e saiu marchando ao
som de agrestes notas que pareciam um lamento dos mundos inferiores. A
cabra-guia o seguiu e, após esta, tôdas as outras. Durante
muito tempo ainda pude ouvir o ruído das rochas pisadas e o balir
das cabras, de mistura com os lamentos da flauta..."
Mikhail
Maimy
***
01. Rose of Heaven
02. Bird of Paradise
03. Stargazer
04. River of Life
05. Passion Flower
06. Garden of Delight
07. Lily of the Valley
08. Tree of Life
09. Jasmine
10. Night Blooms
11. Queen of the Night
02. Bird of Paradise
03. Stargazer
04. River of Life
05. Passion Flower
06. Garden of Delight
07. Lily of the Valley
08. Tree of Life
09. Jasmine
10. Night Blooms
11. Queen of the Night
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